O evento, promovido pelo CENIT no âmbito do ciclo de conferências sobre internacionalização do projeto “100%MODAPORTUGAL 23/24” e dinamizado pela consultora Systemic, decorreu a 21 de novembro na Universidade da Beira Interior (UBI) e trouxe perspetivas diversas sobre como a indústria têxtil e vestuário está a preparar-se para o futuro. «Não há alternativa: ou as empresas deste sector se tornam o mais sustentáveis possível ou morrem», começou por afirmar Luís Figueiredo, presidente do CENIT, na abertura do evento.

E, como frisou Mário Lino Raposo, reitor da UBI, «a transição para a economia circular implica mudar mentalidades e adaptar o enfoque do ciclo de vida do produto completo, com o objetivo de maior durabilidade e possibilidade de reutilização, o que passa por poder ser reciclado no final da sua vida útil», pelo que «também o design do produto têxtil tem um papel crucial para a economia circular». A isso soma-se, segundo o reitor, a necessidade de avanços tecnológicos e inovação. «Para as empresas, a transição é, sem dúvida, um desafio complexo, mas é, também, uma oportunidade de negócio na abordagem à estratégia de sustentabilidade e na forma de criar benefícios económicos. Sem dúvida, que muito haverá a estudar e a investigar para ajudar as empresas na sua transformação em marca sustentável e coerente de economia circular», acredita.

A investigação tem vindo a ser feita em consórcios que juntam empresas, centros tecnológicos e academia. É o caso do projeto Be@t, que se desenvolve em várias vertentes, como focou Rui Miguel, do Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis da UBI. «Na área dos biomateriais, desenvolve-se tudo à volta daquilo que são as novas fibras, os aproveitamentos de resíduos de outras áreas, de outras atividades, para os transformar em fibras que possam entrar na cadeia têxtil», referiu. Já no pilar dedicado à circularidade, o foco está em soluções para o fim de vida dos produtos, nomeadamente ao nível da reciclagem. «O caminho químico vai ser aquele que poderá dar escala, poderá transformar, de facto, todo este processo e escalar para o grande consumo», apontou. O eco-design, na área da sustentabilidade, e a comunicação para a sociedade, para instigar um consumo responsável está igualmente entre os objetivos do projeto.

Ana Carreira, coordenadora do Laboratório de Análises Químicas da UBI, e Nuno Belino, diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis, revelaram, por seu lado, os avanços que têm sido feitos no âmbito da agenda mobilizadora Giatex, que tem como objetivo «desenvolver várias ferramentas que permitam às empresas reduzir o consumo da água, nomeadamente utilização de tecnologias de enobrecimento mais exigentes e desenvolvimento e adoção de tecnologias de tratamento que permitam reutilizar a água nos processos de enobrecimento», como descreveu Ana Carreira. Entre as opções já testadas consta o reaproveitamento da água do tingimento de algodão com um corante reativo, «que foi utilizado num outro tingimento com o mesmo corante» com bons resultados, e duas utilizações sucessivas do banho de tingimento. «Será um trabalho para continuar», apontou a coordenadora do Laboratório de Análises Químicas da UBI.

Numa segunda dimensão, o trabalho da UBI neste projeto está focado em «evitar que surjam águas residuais», afirmou Nuno Belino. «As empresas precisam de soluções que minimizem a utilização de recursos, sejam eles recursos energéticos ou recursos aquosos, e que sejam mais eficientes, mais económicas, diferenciadoras e, neste caso em concreto, ambientalmente mais sustentáveis», acrescentou. Neste sentido, está a ser trabalhada, por exemplo, a lavagem de lã e o tingimento sem utilização de água, com dióxido de carbono supercrítico. «Não usamos água, vamos recuperar o dióxido de carbono, vamos recuperar materiais acessórios, bem como os corantes que foram empregues no tingimento», realçou o diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis.

Também a Fibrenamics tem feito desenvolvimentos na área de fibras alternativas, como apresentou Pedro Pacheco, coordenador de comunicação e marketing da associação, enquanto a To Be Green tem realizado diversos projetos relacionados com a valorização de vestuário em fim de vida, como indicou o CEO António Dinis Marques. «Trabalhamos em duas dimensões: para o cidadão comum, que pode fazer a valorização do seu vestuário usado através da nossa aplicação; e na parte do corporate, na valorização dos seus uniformes e fardas de trabalho, que são descartadas e que valorizamos através do desenvolvimento de novos produtos incorporando essas fibras», explicou.

Já numa mesa redonda que contou com a participação de Ana Dinis, diretora-executiva da ATP, Ana Tavares, CEO da RDD, Tânia Oliveira, consultora na Systemic, Beatriz Tavares, relações públicas, marketing e responsabilidade social e corporativa da Twintex, e Madalena Pereira, presidente do conselho da Faculdade de Engenharia da UBI, o foco esteve na regulamentação, nas ações assumidas pelas empresas e no papel que os jovens profissionais poderão ter nesta transição.

«Uma das nossas principais preocupações tem a ver com a questão do level playing field, ou seja, neste momento estamos a exigir à indústria europeia que faça uma transformação, passar quase do oito para o 80. Mas na verdade, 80% dos produtos que são consumidos na União Europeia são importados, não cumprem com a maior parte dos requisitos, não há fiscalização, portanto, não há controle nenhum no mercado. Estas questões são as principais preocupações e angústias que chegam à associação. Depois temos o problema da capacitação, o problema da tecnologia, o problema de financiamento. A indústria portuguesa está a fazer um caminho fantástico, mas, naturalmente, as respostas não estão todas dadas, há muito ainda para fazer», apontou Ana Dinis.

Ana Tavares, por seu lado, sublinhou as dificuldades que as empresas mais pequenas terão para acompanhar as mudanças legislativas em curso. «Não há recursos sequer dentro das empresas para fazerem este acompanhamento. Se até agora estávamos a falar de legislação que afetava muito, por exemplo, a parte ambiental, em que as empresas que têm, efetivamente, um impacto maior, ou seja, tinturaria, acabamentos, estamparias, já sabiam que tinham de cumprir algumas coisas e já teriam recursos direcionados para aí, as legislações que estamos a falar neste momento são coisas completamente diferentes e que nunca foram implementadas no nosso sector. O passaporte digital do produto é uma das coisas mais novas e ninguém sabe sequer que tipo de informação é que lá vamos ter de pôr e quanto na cadeia de valor é que vai ter que passar. A dificuldade é essa», explicitou. «Se me perguntar se acho que vai funcionar, claro que não acho. Acho que vai haver um caminho muito longo e que vamos sempre esbarrar em alguma coisa que não vamos ter capacidade de responder à legislação tal e qual como ela está, no momento em que ela tem de ser implementada. E não sei sequer qual o tempo de implementação previsto. Acho que as empresas vão ter uma grande dificuldade em acompanhar esses temas», acrescentou.

Para Tânia Oliveira, «a indústria têxtil tem muito conhecimento e um avanço a nível tecnológico brutal» e «o medo relacionado com a avalanche da regulação e de como é que isto vai funcionar, esse não é um problema sectorial, é um problema que todas as indústrias estão a sentir», pelo que pode haver vantagens em partilhar informação entre sectores diferentes. «Acho que as associações vão ter um papel muito importante a apoiar as suas empresas», referiu a consultora da Systemic, que aconselha a que «o trabalho comece em cima. O CEO, o dono da empresa, o administrador, tem de acreditar que quer fazer este caminho e perceber que é um caminho longo, lento, que requer muito investimento e que não dá logo um resultado positivo».

Beatriz Tavares acredita que é preciso «otimismo» para encarar estes desafios. «Temos de olhar com positivismo e pensar que a sustentabilidade que queremos implementar, e que estamos a ser obrigados a implementar, nos vai trazer muitas coisas boas, não só a nós, propriamente, mas também aos clientes dos nossos clientes. Não podemos olhar só para o lado negativo, de vai dar muito trabalho – vai, é inquestionável. Estamos a contactar com fornecedores que ainda não sabem como é que fazem a gestão da pegada ecológica, a pegada carbónica. Vai dar muito trabalho, mas se não fizermos agora, vamos ficar para trás», referiu, enumerando algumas iniciativas da Twintex nesse sentido, como a implementação, em 1999, de um sistema de recolha de água da chuva para usar nas prensas, e colocação de painéis fotovoltaicos, que permitem responder a 55% do consumo de energia, um valor que vai aumentar com a junção das unidades produtivas da empresa num único espaço.

Já a olhar para o futuro, Madalena Pereira lembrou que os jovens terão um papel fundamental naquilo que será o futuro da indústria têxtil e vestuário. «Temos de aprender todos os dias e temos de estar atentos às transformações», indicou. «No Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis da UBI, criámos uma nova licenciatura, em Tecnologia e Produto de Moda Sustentável, com mais conhecimento técnico, mas que não invalida todo o percurso que já fizemos e que é a nossa cultura, o nosso ADN, de que não é possível ser designer, projetar um produto, sem conhecer materiais e processos. É impossível. É evidente que todos os designers querem ser criativos, mas na era da sustentabilidade, o paradigma vai-se inverter – vamos à procura dos resíduos e pensar, com estes resíduos, que tipo de projetos é que podemos fazer? Como é que vamos transformar estes resíduos em novos materiais, com que processos? E, para isso, precisamos de ter equipas multidisciplinares e desenvolver novas ideias, novos projetos e trabalhar em conjunto com a indústria», resumiu. Fonte: www.portugaltextil.com

Transição da ITV mobilizou a UBI
Voltar às notícias